eu por mim não falava nada

eu por mim não falava nada


charles lessa, tenho 26 anos, sagitariano  com asc em touro, artista visual e moro em Crato na parte sul do ceará, mais conhecida como região do Cariri ou interior do ceará.

 

me tornei artista por causa do desenho e pelo que as pessoas diziam quando viam meus desenhos: vc é um artista! 

muito cuidado com o que vc diz pra alguém, vai que vc define totalmente a vida da pessoa ne. vai saber. 


sei que me relaciono com o fazer imagem desde criança. fui estimulado. não parei. copiei muitos desenhos. fiz Goku, power rangers, pirocas em ereção, RBDs y digimon. também fazia mulheres grávidas e fetos. 

gostava de desenhar cenas de parto, as vaginas em "O" me excitavam, não de maneira sexual. tudo escondido, senão mainha ia pensar que eu era doido. doido mesmo eu fiquei quando ela morreu. sempre fui metido a melancólico, mas depois dessa morte, minha nossinhora, como eu me tornei dark, e no fundo eu até gostava dessa coisa de chamar atenção pela performatividade emo-gótica que incorporei.


mainha era professora de criança, umas crianças da mesma idade da criança que eu era. 

ela sempre pedia que eu fizesse o cartaz de aniversariantes e outros rolês que as professorinhas precisam estar atentas. lembro de na sétima série ela me dizer: “ouvi dizer que vai abrir o curso de artes visuais na urca (Universidade Regional do Cariri), seria bom pra tu, já que vc gosta de desenhar, mas dizem que só vai ter viado no curso”.

eu como viado que era, pensei: pois é pra lá mesmo que eu vou minha mãe.

e fui.

Na universidade foi que percebi que eu era mesmo artista, o povo continuava dizendo, eita artista, ei artista, charles é um artista. e óbvio, ele vestia a personagem.

acho chique até hoje reconhecer isso. mas sempre tive um embate louco na universidade, que é o fato de antes eu me achar artista porque desenhava, e só por isso. tava decretado, era mesmo! 

Mas meu bem, estamos vivendo na cultura contemporânea e ela é muito complexa pra se resumir somente a uma técnica bem elaborada. e eu queria ser artista contemporâneo, não artesão.

uma vez ouvi na parada de ônibus uma mulher aleatória dizer: “arte tem que ter mensagem”. 

Pronto, simples, entendi tudo! 

Arte tem que ter mensagem! Eu nem precisava ter feito faculdade.

aí eu me tornei um artista gay, queria militar, ter uma causa,

desenhava uns amantes imaginários, homens brancos envelhecidos no papel com café meio tumblr, eram musculosos e totalmente distantes da pessoa que eu sou e dos corpos que já me relacionei. 

bem doido. 

como todo bom guêi desenhista eu fiz boy nu, TODOS os crushs que já tive, amava acreditar que eu era estilista, menina, era cada figurino bafo!

aí cansei dessa coisa de só desenhar rapazes pelados e percebi que haviam outros charles dentro de mim esperando pra acontecer. 

muito nostálgico, eu sinto saudade tão rápido quanto sinto fome. se eu estiver contigo num banco de praça a noite, e no dia seguinte eu passar em frente ao banco sem você vou sentir tanta saudade sua. talvez seja apego e não saudade, y num é parecido não?

voltei y voltei e continuo voltando. a morte de mainha fez com que a saudade de tudo exista em mim como o clichê da água que existe no mar. fez com que o chão continuasse a se abrir y que o teto fosse sempre muito inexistente.

não acho nem um pouco elegante a ideia de ficar recorrendo ao passado com tamanha frequência. mas é que o presente pra mim só faz sentido se eu consigo entender o que passou. daqui a pouco, esse momento instante, essa pandemia, esse caos y esse fim de tudo se tornará uma nostalgia que já consigo prever, caso eu sobreviva né

Volto a ser criança, sem romantizar a infância e compreendendo os infernos que ela também possa representar. 

me reapaixonei por literatura infantil, desenhos animados, bolacha recheada, quis voltar a compreender a minha existência "como un niño em frente a Dios".

e aos poucos vou permitindo que a criança viada que eu não pude ser esteja cada dia mais presente. roubando um trechinho do final do poema do menino jesus de fernando pessoa eu digo que “ela brinca com os meus sonhos….” desenha na minha pele, tatua tolices da mais alta complexidade, ilustra seus monstros e acolhe nossas saudades. vivemos juntas,

eu e ela

e não temos muito medo uma da outra. 

eu e minhas crianças.


Comentários

Postar um comentário